segunda-feira, 25 de abril de 2016

TEXBR ENTREVISTA - WILSON VIEIRA - BY MARCELO TOMAZI





Portal TEXBR - Wilson, iniciando nosso bate-papo, nós gostaríamos que você nos contasse como se deu seu primeiro contato com as HQs, que quadrinhos você lia na infância e que autores apreciava. 



Wilson Vieira - Bem, inicialmente, gostaria de lhe agradecer, assim como ao Gervásio, ao Nilson, ao Alex e a todos do staff do Portal TEXBR, pelo "espaço cedido". É um prazer bater aquele "papo" com você, amigo. Agora, respondendo à sua pergunta: é interessante, pois quase não tenho recordações daquela época, não... alguns personagens que ainda recordo são: Nick Holmes (de Alex Raymond) e o seu mordomo, eram incríveis histórias policiais; Kid Colt (de Jack Keller) era um exímio pistoleiro; O Fantasma (de Lee Falk), que todos conhecemos; também Tarzan (de  Edgar Rice Burroughs); mas o que me marcou mesmo foi o Cavaleiro Negro (Black Rider, de Sid Shores, e a versão brasileira, de Primaggio Mantovi e Walmir Amaral), que, com a sua dupla identidade, me fascinava - o pacato doutor Robledo e o envolvente Cavaleiro Negro, com sua máscara e seus revólveres reluzentes. Inesquecíveis. Recordo-me, também, do meu pai desenhando, daquele jeito "quadriculado", ou seja, você coloca o que quer desenhar, a imagem, em pequenos quadrados e faz outra grade e começa a ampliar como quiser o primeiro desenho. Meu pai era muito hábil nessa técnica. Aquilo também me estimulou a começar a estudar as maneiras de desenhar, a fazer cursos. Fiz um muito bom de Desenho Artístico e Publicitário, aqui no bairro onde nasci, o Ipiranga.



Portal TEXBR - Diga-nos como se deu sua viagem para a Itália em 1973. Você era um jovem estudante de vinte poucos anos... Como foi sair do país para estudar no exterior?



Wilson Vieira - É verdade, naquela época eu fazia o vestibular para História e trabalhava num banco, como caixa. Tinha uma certa quantia economizada e resolvi ir para a Itália, pensando que, com o seu passado, seria o local ideal para concluir os meus estudos. Não pensei muito não, comprei uma passagem para Gênova de navio e lá fui eu, com a cara e coragem, pois mal sabia ainda a língua. Aliás o pouco que sabia, aprendi comprando uma revista italiana que era vendida semanalmente aqui (São Paulo) em certas bancas importadoras, cujo título era "Noi i Givovani", que falava sobre os cantores (as) italianos dos anos 70. Fui obrigado mesmo a falar mais durante a viagem, que durou 11 dias de Santos a Gênova, por pura questão de sobrevivência. Quando lá cheguei, tive o primeiro impacto: pensei que tinha descido em um porto errado, pois para mim a língua que falavam era o francês. Eu estava errado, era simplesmente o dialeto genovês. Era pleno inverno Europeu, imagine só, um brasileiro que só via neve pela televisão foi encarar aquele tempo. Mas finalmente deu tudo certo. Começava ali a minha saga italiana.



Portal TEXBR - Por que a Itália? Você já conhecia o país? Tinha familiaridade com a língua?



Wilson Vieira - Escolhi a Itália, obviamente, por saber de sua história, estava mesmo procurando um país com o qual me identificasse para continuar os meus estudos. Não conhecia a língua, não, apesar de ser neto de italiano. Nunca antes havia me interessado pela Itália, imagine, mas com muita objetividade e tenacidade, aprendi tudo muito rápido. Aliás onde aprendi mesmo a entender e a falar a língua italiana foi vendo todos os spaghetti-westerns que assistia quando era possível, principalmente aos domingos. Assistia de 3 a 4 filmes, e isso foi muito importante para  desenvolver o meu sentido de assimilação fonética.



Portal TEXBR - Em que momento você percebeu que deveria trocar o curso de arqueologia, que daria seguimento aos seus estudos, pelo de artes plásticas, no Lorenzo de Medici? Toda aquela atmosfera artística foi a responsável pela mudança?



Wilson Vieira - Bem, chegando lá, primeiramente tive que arranjar algum emprego e consegui vários, antes de me tornar um desenhista profissional: garagista, ajudante de cozinha e locutor de rádio. O motivo principal mesmo [para não seguir na carreira de historiador] foi a burocracia que encontrava quanto a minha documentação: era carimbo daqui, assinatura de lá, muitas despesas extras. Já trabalhava como garagista quando conheci um vendedor de aspirador de pó e fiz amizade com ele (que me via sempre rabiscando num caderno de desenho). Ele se ofereceu para apresentar-me à Florenzo Ivaldi, editor da revista Sgt. Kirk. Porém, antes desse encontro, redesenhei um gibi inteiro de Nick Holmes (originalmente chamado de Rip Kirby), para mostrar que sabia desenhar (coitado de mim, os desenhos eram horríveis, porém, foram eles que me abriram as portas para os fumetti). Nesse ínterim, soube do Instituto d'Arte Lorenzo de Medici, aliás ele estava abrindo suas portas. Fui até Florença obter maiores informações e tudo foi resolvido sem burocracias, o curso de Artes Plásticas deles era bem "elástico", pois estudavam lá muitos estrangeiros. Ou seja, você até podia faltar "X" dias ao mês que as aulas eram repostas, ou podia complementar com aulas extras aos sábados, domingos e feriados, e havia rápido acesso por trem e outras "aberturas" que influíram bastante, pois, logicamente, eu também devia trabalhar para ajudar com os gastos. Mas é claro que a atmosfera artística da Itália é simplesmente sensacional, a de Florença, então, ah... é imbatível.



Portal TEXBR - Nós podemos imaginar que estar cercado por grandes museus, galerias e escolas de artes seja algo relevante... A Itália - junto com a França - era (e ainda é) o grande centro artístico da Europa.



Wilson Vieira - Exatamente, Marcelo. Em minha modesta opinião, a Itália ainda continua em primeiro lugar quanto ao seu poderio artístico. Eu digo sempre e aconselho: quem quiser e puder (hoje em dia, é muito mais comum poder viajar - imagine, estamos relatando fatos dos anos 70), que vá à Europa e, se puder, passe alguns dias pela Itália. Como vivência cultural é imperdível e marcará a sua vida para sempre. Resumindo, lá você literalmente "respira Cultura".



Portal TEXBR - Parece que você começou a atuar como desenhista profissional ao mesmo tempo em que estudava...



Wilson Vieira - Exatamente. Após preparar os desenhos da revista Nick Holmes, voltei a procurar Florenzo Ivaldi e ele, diante dos desenhos (imagine, lembro-me até hoje, sua casa estava repleta com os originais de Hugo Pratt!), disse-me para procurar ali mesmo em Gênova o Staff di If e, em minha presença, telefonou para Gianni Bono. Fui diretamente para o estúdio, me apresentei ao Gianni e ele disse que eu ainda estava muito "verde" para fazer parte oficialmente do staff. Me comprometi, então, a ficar fazendo provas, treinando até quando ele me diria que estava em bom nível para ingressar no Staff. Aí coincidiu com meus estudos, pois fiquei um longo tempo treinando (importante salientar: sem receber nada; quem faria isso atualmente?), desenhando, por exemplo, tudo o que aparecia pela frente (dormia com blocos de desenhos). Observava, também, os desenhistas que já trabalhavam para o Staff di If, como o meu amigo Salvatore Deidda, que acabou desenhando o personagem Martin Mystère antes de falecer. Ia aperfeiçoando cada dia mais o meu traço. Portanto não tinha ainda um compromisso assim tão sério como desenhista e sobrava tempo para, também, estudar, o que me ajudou de maneira determinante em minha performance como desenhista profissional, o qual me tornaria mais tarde. Além do mais, os desenhos nunca atrapalharam a minha estadia na Itália, pois os trabalhos (roteiros) eram entregues e marcava-se uma data para  desenhá-los; você, dentro desse prazo, ficava livre para outras atividades pessoais, sociais ou educacionais, todos do Staff di If seguiam essa rotina. Portanto o convívio naquele local sempre foi absolutamente produtivo, inesquecível e altamente educacional.



Portal TEXBR - Então a carreira de historiador não teve seguimento... De imediato você se engajou na carreira de artista das histórias em quadrinhos.



Wilson Vieira - Sim, Marcelo, parou por ali mesmo. Obviamente, eu era um desenhista imaturo ainda, mas tinha o principal: gostava de desenhar e muito. Penso que se você tiver um objetivo na cabeça, mesmo sendo algo impossível, se insistir, conseguirá um dia atingir sua meta. Mas atenção, tem que ter muita, mas muita vontade mesmo e horas, dias, meses e anos de insistência e de treino, principalmente se for algo relativo às artes. Não será com alguns esboços que você irá desenhar aqui no Brasil ou lá fora, seja onde for. É isso que os jovens aspirantes a Artistas devem saber: melhore o seu traço ou a sua escrita dia após dia, esforce-se, treine mesmo à exaustão, só assim você terá chances reais de "aparecer" nesse meio tão sonhado. Sabe, era até gozado... Quando eu ia trabalhar, sempre encontrava dois ou três desenhistas diariamente pelo caminho, ou seja, a concorrência nos anos 70, para desenhista e roteiristas, era intensa e somente sobreviviam aqueles que perseveravam; muitos, muitos mesmo, e eu conheci vários deles, desistiram pelo caminho. 



Portal TEXBR - Voltemos ao Studio Staff di If: lembra quantos profissionais trabalhavam lá, como era o ambiente de trabalho e a rotina? 



Wilson Vieira - Mais de 40. Porém, no estúdio mesmo, ficávamos em 10. A maioria gostava de trabalhar em casa. Eu gostava de desenhar no estúdio, pois lá tinha uma biblioteca ótima que nos servia com suas referências, para os roteiros nos quais estávamos trabalhando. O ambiente era sensacional, trocávamos ideias e éramos críticos ferrenhos uns dos outros, porém sempre no intuito de melhorarmos a cada dia e representar bem o estúdio de Gênova, do qual fazíamos parte. Era um ambiente muito descontraído, como se fôssemos uma grande família, obviamente cada um com a sua personalidade. Sabíamos controlar bem a nossa convivência. Quanto à rotina, era quase sempre a mesma: Gianni Bono passava mais tempo em Milão que em Gênova e quando ele vinha, nos trazia os roteiros que eram distribuídos para os desenhistas, ou eram passados os argumentos para os roteiristas. Sempre ele nos dava um prazo no início de cada trabalho e pronto, não importava se você trabalhasse todos os dias ou em alguns, durante o prazo estipulado, o que interessava era entregar a sua tarefa pronta na data da entrega e éramos profissionais o bastante para cumprir os prazos, aliás éramos imbatíveis nesse item. Tudo começava com a leitura do roteiro, pesquisas em livros (textos ou imagens) e desenhar ou escrever, dependendo do profissional. Parece bastante simples, porém tínhamos uma rigidez nessa programação e não era nada imposto, não, era muito natural para nós e sempre funcionava como um relógio suíço.  



Portal TEXBR - Esse estúdio produzia HQs para diversas editoras, é isso?



Wilson Vieira - Exatamente, Marcelo. Veja como uma coisa leva à outra: por sermos conhecidos quanto a prazos, havia certos períodos do ano que tínhamos filas de editoras esperando que seus trabalhos fossem executado por nós. No norte da Itália, o Staff di If, era "o" estúdio e sempre foi, até a sua extinção, o maior produtor de Quadrinhos. tanto é que, como já lhe disse, muitos artistas ainda trabalham para o Bonelli, ou já trabalharam. Basta procurar na web e irá verificar que muitos deles passaram pelo Staff di If. Seja como desenhista, ilustrador ou roteirista. Até hoje, o Staff di If (e olhe que já se passaram mais de 35 anos) ainda é lembrado em qualquer local onde se respira quadrinhos na Itália. Penso que só com muito profissionalismo um estúdio consegue se manter no tempo, não é mesmo? Sinto-me até hoje muito orgulhoso de ter feito parte de um grupo de amigos e profissionais no qual tive a oportunidade de conhecer tudo sobre a Imagem Desenhada ou Escrita. Infelizmente, durante essa longa caminhada, muitos deles já faleceram, mas eu me recordo deles e recordarei para sempre, como se estivesse ali e agora.



Portal TEXBR - E como um estúdio tão importante como esse, que até os dias de hoje tem suas marcas reconhecidas, foi fechado? Algum fator relevante, seja financeiro ou pessoal? Depois de tudo o que você nos disse, parece lamentável que essa "empresa dos quadrinhos" não exista nos dias de hoje...



Wilson Vieira - Não sei o motivo, não, mas penso que Gianni, para abrir seus horizontes profissionais, tenha preferido Milão como sua sede central, pois lá estão as grandes editoras Italianas. É lamentável, sim, mas como ele, hoje, existem centenas de estúdios por lá, essa tradição de estúdios não morrerá nunca na Europa.



Portal TEXBR - Então o Staff di If transferiu-se de Gênova para Milão e, algum tempo depois, foi fechado? Foi a concorrência, a crise no mercado dos quadrinhos?



Wilson Vieira - Penso que tenha sido por pura estratégia de Gianni Bono mesmo, senão veja: enquanto eu lá permaneci, o Gianni vinha a Gênova de 15 em 15 dias, pois o "Centro" dos Quadrinhos na Itália, como todos sabem, fica em Milão, lá estão sediadas as grandes editoras, as grandes gráficas. Não penso que tenha sido a concorrência ou a crise no mercado (aliás, penso que a Itália nunca passou por tal crise). Juntamente com o estúdio Staff di If, Gianni também possuía a editora Epierre, com a qual colaborei em algumas revistas e seus personagens de 1978 a 1980, tais como Kiwi, Amok, Pecos Bill, Dusty e Collana Telefumetto. Ela já estava sediada em Milão, daí acho que ele acabou unindo o útil ao agradável. Penso que esse foi o motivo real para o fechamento do Staff di If em Gênova.



Portal TEXBR - Que grandes artistas da Itália e de outros países você conheceu lá?



Wilson Vieira - Puxa, conheci vários deles... Ivo Milazzo e Giancarlo Berardi, quando ainda não tinham lançado Ken Parker, Hugo Pratt, Victor de la Fuente (espanhol, mas sempre presente na Itália) e alguns desenhistas (amigos meus) que se tornaram bonellianos, como o saudoso Salvatore Deidda, Giovanni Crivello e outros tantos.



Portal TEXBR - Nós sabemos que você tem grandes histórias desse período, excepcionais memórias... Gostaria de dividir algum fato curioso ou engraçado com os internautas do TEXBR?



Wilson Vieira - Ah, tenho uma grande, quem contou foi Gianni Bono para os integrantes do Staff di If: ele disse que o pai do Sergio Bonelli, o Sr. Giovanni Luigi Bonelli, pediu certa vez um café para um assistente qualquer; pois bem, o cafezinho demorou e quando o assistente entrou com a bandeja, ele sacou da gaveta um revólver de cowboy e disparou; apavorado, o assistente jogou a bandeja para cima e saiu correndo em disparada, esparramando o café por toda a sala - todos caíram na risada, pois o tiro era de festim. Se é verdade esse "causo" eu não sei, mas que virou lenda, ah... isso virou.



Portal TEXBR - E então chegamos ao Il Piccolo Ranger, da SBE. Como foi o contato do Studio com a SBE? Quantos números você desenhou?



Wilson Vieira - Bem, o meu primeiro contato com a SBE foi através do Gianni Bono, que um certo dia disse-nos que faríamos Il Piccolo Ranger para o Sergio Bonelli e aí pediu-me que fizesse uma prova com os personagens centrais da série. Passado um tempo, o teste foi aprovado e aí começamos a trabalhar o personagem. Desenhei três episódios, mas como retornei ao Brasil, nunca vi o terceiro episódio publicado, somente os outros dois, os números 206 e 207 (ambos publicados em 1981). Do terceiro eu me lembro e possuo algumas cópias xerox dele; a trama era de um assalto a trem por um bando de mexicanos e um deles eu tinha desenhado com a fisionomia do Charles Bronson, porém sem o bigode; o nome do episódio eu nunca soube... Então, para a SBE, eu desenhei três episódios. 



Portal TEXBR - Nós temos certeza de que o público brasileiro tem grande curiosidade sobre os bastidores da produção de uma revista de quadrinhos... Pode nos dizer como isso funcionava? O Studio recebia o roteiro e depois...?



Wilson Vieira - Nós recebíamos o roteiro (caso não fossem feitos no próprio Staff, já que possuíamos ótimos roteiristas), o texto era passado para o desenhista, no caso, eu mesmo, que lia, fazia em folhas soltas alguns rascunhos, para captar bem a imagem que eu queria, e depois começava a desenhar verdadeiramente. A arte-final era passada para alguém profissional nesse setor (no próprio Staff ou não), eu mesmo arte-finalizei várias histórias: O Senhor do Sol, Qui Commissario Norton, etc. Porém, no caso de Il Piccolo Ranger, arte-finalizei somente as provas (pois o trabalho era muito longo e pesquisado). Os balões e as letras idem, eram feitos no próprio Staff ou não. Quanto às ilustrações para as capas, eram feitas por artistas exclusivos, porém nós todos do Staff fomos obrigados a dominar a tal técnica, que na época era o guache. Eu também fiz algumas capas, como para Tarzan, Davy Crockett, Hondo, L'Uomo Ragno, etc. Na realidade o grande sucesso do estúdio Staff di If era o conjunto de profissionais altamente ecléticos: para nós não existia trabalho difícil ou impossível de se realizar, fazíamos de tudo, do roteiro à publicação, e com alto nível de profissionalismo, seja em preto e branco ou em cores. 



Portal TEXBR - Não podemos deixar de falar isso, apesar do assunto não ter relação com o universo Bonelli: muito antes dos brasileiros fazerem sucesso desenhando super-heróis americanos, antes de Luke Ross e Mike Deodato desenharem o Homem-Aranha, você tinha feito isso! E... na Itália! Como aconteceu esse feito, inédito para um brasileiro? Era uma produção local a partir de roteiros americanos?



Wilson Vieira - Sim, caro Marcelo... Sou o "tio" de todos os demais "sobrinhos" que desenharam super-heróis, após a década de 80. Desenhei "Octopus sfida L'Uomo Ragno" (Octopus desafia o Homem Aranha), que foi publicado em 1981. Foi um trabalho como qualquer outro. Eu fiz antes algumas provas para o Gianni, ele mandou para os Estados Unidos (para o escritório da Marvel Comics), mas o roteiro, com a provação do próprio Stan Lee, foi escrito por Franco Fossati, um dos maiores estudiosos de Quadrinhos da Itália, infelizmente já falecido (1996). Tudo era supervisionado por Stan Lee, que aprovou o produto final, sendo impressa a primeira edição na Espanha. Hoje, na Itália, ele virou objeto "cult" de desejo, sendo vendido em vários leilões especializados em HQs. Ainda bem que tenho um exemplar, não acha? E está sendo valorizado, a cada dia que passa... rs... rs...  



Portal TEXBR - E então, em 1980, você retornou ao Brasil. Você pode nos falar quais foram as razões para esse retorno, após um produção tão intensa? 



Wilson Vieira - Bem, você tem uma família, porém é filho único e sabe que seus pais não se adaptariam em um outro país, que é totalmente diferente do seu. O que faria?! Essa foi a razão, amigo: amor aos meus pais. Aliás, o que eu poderia fazer mais por lá? Já tinha atingido o maior patamar sonhado e executado por poucos artistas, que era ter desenhado para a SBE. Quanto à produção, sim, ela foi intensa e muito importante para a minha história pessoal. Até hoje sou lembrado por lá, como o “brasileiro que desenhou para o Bonelli”; tanto é que sou mencionado em quase todos os sites italianos importantes sobre a Nona Arte e mantenho excelentes amigos na Itália. O álbum "Cangaceiros - Homens de Couro" e o "Gringo" estão sendo muito divulgados por lá e isso se deve à minha carreira sólida vivida intensamente durante aqueles anos e o caminho que abri na história dos fumetti.



Portal TEXBR - Mesmo assim, penso que tenha sido um "choque" retornar ao Brasil no "calor" dos anos 80, uma década destinada a grandes transformações. Se na Itália você tinha acesso a muitos estúdios e editoras, aqui isso não acontecia... Foi possível "dar a volta por cima", sem trocar a profissão de desenhista de quadrinhos? 



Wilson Vieira - Choque?! Fiquei traumatizado... rs... rs... (felizmente já superei). Aqui, amigo Marcelo, a mudança foi do vinho para a água... foi uma época muito difícil para mim, espalhei o meu currículo por toda a cidade de São Paulo, fui em várias editoras e agências de publicidade, todos gostaram de meus desenhos, da minha experiência internacional, porém emprego na realidade, infelizmente nada. Devo lembrar que antes de retornar ao Brasil (final de 1980), tinha conhecido lá na Itália, no famoso Festival de Quadrinhos de Lucca, o jornalista e editor do CLUQ (Clube dos Quadrinhos) Wagner Augusto, que se tornaria em 2004 o meu editor para o álbum "Cangaceiros - Homens de Couro". Em 1981 desenhei para a revista Sexy West #2, da Grafipar (Curitiba - PR), a história "O Carrasco" (20 páginas), escrita por Franco de Rosa, o qual tinha conhecido há pouco tempo.



Portal TEXBR - Mas todo esse conhecimento que você adquiriu na Itália não ficou no armário, você se tornou professor. O que te levou à sala de aula?



Wilson Vieira - Sim, em 1981 trabalhei no Estúdio de Arte Iara de Marchi como professor de Desenho Artístico e lecionei HQs no Studio Renovart. No ano seguinte, produzi ilustrações para a Sociedade Ornitológica Bandeirante e ensinei HQs e Desenho no Curso Básico de Publicidade como professor convidado do Senac-SP. Nesse período, fui obrigado a optar por outra profissão, por simples questão de sobrevivência. Tornei-me comerciário e trabalhei um longo período nos maiores e mais importantes hipermercados aqui da capital, como gerente de departamento. Mas a brasa das HQs permanecia dentro de mim e ainda bem viva.



Portal TEXBR - Parece inevitável, no Brasil, os artistas trabalharem em outras profissões para sobreviver...



Wilson Vieira - E devem mesmo, Marcelo. Acho que um trabalho fora dos quadrinhos é altamente conciliável com eles nas horas de folgas, feriados, férias... infelizmente essa é a nossa realidade, por sorte eu trabalhei durante os sete anos na Itália que lá estive no que mais gostava, apesar de um início, digamos, mais "sofrido". Mas faz parte, não? Porém lá os profissionais da Nona Arte são bem remunerados e podem muito bem viver somente com seus textos ou desenhos; admitamos, é uma outra realidade. Por isso que tantos artistas nacionais, para não trabalharem "por fora", escrevem ou desenham para o exterior, pois são bem pagos e fazem o que gostam e os exemplos são inúmeros de excelentes profissionais.



Portal TEXBR - Após muitos anos como desenhista você resolveu também escrever quadrinhos. Como foi esse percurso? Pode parecer, para muitos, uma mudança radical.



Wilson Vieira - Em 1983, tomei a decisão que para muitos parecia radical: parei de desenhar para me dedicar exclusivamente à produção de roteiros, porém para mim foi uma transição muito natural. Comecei a me aprofundar cada vez mais nas histórias, nas pesquisas, tanto com imagens como em textos, e notei que isso tomava muito tempo, seria quase impossível desenhar novamente, e fui tomando gosto pela arte de escrever e, quando percebi, já era um Roteirista. Em 1985, colaborei para a Editora D-Arte na Revista Calafrio (#26) com a história "Censurado", com desenhos de Aloísio de Castro, apresentado a mim através do Wagner Augusto (o qual, também, nessa edição, escreveu e divulgou a minha primeira biografia no país e foi o responsável pela publicação da série Ken Parker por aqui, para o qual traduzi alguns de seus episódios). O Aloísio, em 1983, também iniciou a arte para o personagem Gringo, publicado somente em 2006. Em 1982, um tema despertou-me a atenção em particular: o cangaço. Como boa parte da mão-de-obra nos hipermercados é nordestina, foi através delas que conheci detalhes de histórias, de parentes ou pessoas, cujos antepassados teriam conhecido Lampião e outros cangaceiros. Aprofundei-me nesse mundo tão nosso durante anos a fio, e, após uma série de pesquisas, restei estimulado a fazer a minha própria versão daquela época. Desse modo nasceu a ideia da série, uma grande saga nordestina, a qual denominei de: "Cangaceiros - Homens de Couro". Porém, muitos anos atrás, quando eu ainda estava na Itália, já tinha idealizado o personagem Gringo, o qual somente seria publicado 23 anos após a sua realização em desenhos. Espero que essas declarações sirvam de exemplo para o futuro desenhista profissional que as tiver lendo, ou seja: o importante para quem quiser acatar a Nona Arte como profissão, a primeira regra, é nunca desistir de seu sonho, persistir, lutar com "unhas e dentes" (defender seu ponto de vista), para que o seu objetivo seja realizado. Como notaram, para mim ele levou muito, muito tempo mesmo, desde que retornei ao meu país, porém eu nunca, nunca desisti dele e finalmente hoje também sou reconhecido em minha própria terra e nada, nada nesse mundo, paga essa realização pessoal, acreditem.



Portal TEXBR - Fale-nos dos projetos atuais: o que poderemos esperar de Gringo, recentemente lançado, seu grande sucesso após "Cangaceiros: Homens de Couro"?






Wilson Vieira - Bem, primeiramente espero que os dois projetos prossigam, pois do Gringo já possuo quase toda uma minissérie escrita (16 episódios), estou na fase de revisões, acréscimos de falas, descrições, porém já está praticamente toda escrita e, olhe, modestamente ficou muito boa mesmo. Todos nós, do meio, sabemos quando um personagem ficou "redondo" ou não, e o Gringo ficou como eu sempre desejava; os novos episódios terão 132 páginas cada um, sempre com histórias fechadas, e garanto que o leitor ficará surpreso ao ler cada um deles. Mas continuarei com a diagramação do primeiro, ou seja, uma visão bem Europeia. Será um trabalho desafiador, mas altamente gratificante e o melhor, penso que agradará em cheio os leitores. Pois tudo na trama foi pesquisado: as batalhas da Guerra Civil, seus generais, a ambientação e tudo será mesclado com o nosso personagem, a realidade e a ficção caminharão juntas nessa proposta. Quanto aos artistas que o desenharão, espero contar com o Aloísio (sempre) e outros que se interessem pelo tema western. Vamos ver. Quanto ao Cangaceiros, espero, também, continuar com a série, pois já escrevi os próximos quatro episódios. Também é uma proposta toda profundamente pesquisada e além do tema ser extremamente brasileiro, será uma sucessão de aventuras também fechadas, bem típicas de nosso povo nordestino, que é fantástico. É a minha visão sobre o cangaço, Lampião e Cangaceiros, transformada em HQs. Ela, porém, foi concebida para ter 96 páginas e assim continuará. Além desses projetos fixos, ainda escrevi e continuo escrevendo roteiros (mais de vinte) pequenos de sete a dez páginas, sobre os mais variados temas, inclusive já quadrinizei alguns contos de Edgar Allan Poe, que ficaram muito interessantes. E não paro de imaginar novos personagens, pois na realidade sou um "narrador de histórias" e minha cabeça está sempre povoada com personagens dos mais variados tipos e épocas... rs... rs...



Portal TEXBR - Após mais de trinta anos de profissão, o que você gostaria de fazer que ainda não fez e o que faria diferente?



Wilson Vieira - Caro Marcelo, a minha produção é altamente pesquisada e isso toma um tempo incrível, em tudo o que escrevo. Portanto ficaria imensamente feliz em concretizar os dois projetos acima citados, em sua íntegra, pois acho que o leitor mereça algo além do puro entretenimento, gosto que o leitor reflita sobre o que escrevo, se interesse, vá atrás das pistas ou dicas que deixo cifradas em meus textos; que os temas que lê tornem-se importantes, que conheça outras épocas e vidas, a diversidade e complexa mente humana, narradas em meus personagens. Acho que faço aquilo que gosto e isso atualmente já é algo bem positivo na vida de um roteirista, não acha? Bem, dando uma "olhadinha para trás", acho que em minha vida profissional de desenhista/roteirista já fiz de tudo um pouco e não faria nada diferente do que fiz até hoje, só espero continuar com a minha fonte de inspiração, para sempre proporcionar ao leitor uma visão diferente sobre os temas que lhe ofereço.



Portal TEXBR - E os contatos com o exterior, Wilson? Após o teu retorno ao Brasil as portas mantiveram-se abertas na Itália? Você ainda pretende desenvolver algum projeto exclusivamente para o exterior?



Wilson Vieira - Sim, Marcelo, os contatos continuam lá fora, as portas mantiveram-se, sim, abertas para mim. Porém é a geração nova da web, que me conhece agora através de meus trabalhos feitos para o Staff di If, principalmente por ter desenhado para a SBE. Tanto que a maioria dos conhecidos divulgam em seus sites ou blogs o meu trabalho atual aqui do Brasil: Cangaceiros e Gringo são os exemplos disso, penso que jamais um artista brasileiro da Nona Arte foi tão divulgado assim na Europa, na história das HQBs, e para mim é uma honra e atendo a todos eles igualmente, sem prioridades, e fui e continuo sendo muito bem atendido em suas propostas. E para mim é muito bom esse exercício com a língua Italiana, pois estou sempre me atualizando. Quanto a projetos para o exterior, atualmente só estou fazendo a versão da série completa do Gringo, quem sabe um dia ele cavalgue até lá, levando consigo suas aventuras. Ela está tomando muito do meu tempo, pois, amigo, sou do signo de virgem, a perfeição para mim é uma obsessão, seja qual for o trabalho a ser executado. Mas na "gaveta" possuo, também, alguns projetos, como todo roteirista, estão lá amadurecendo e quem sabe um dia eles se materializem aqui no Brasil ou no exterior?? Tudo pode acontecer nesse mundo de sonhos, não? 



Portal TEXBR - Você acha que no mercado brasileiro de quadrinhos há espaço para uma série do porte (e de gênero) do Gringo? Ela não teria mais o perfil das publicações Européias? É bom lembrar que Ken Parker está sendo publicado na íntegra por aqui, porém as vendas são muito baixas...



Wilson Vieira - Claro que sim, caro Marcelo, e explico o porquê desse meu otimismo: primeiramente, o leitor Brasileiro é um fanático pelo tema western e não é um fato típico nosso, não, o tema atrai multidões pelo mundo inteiro, seja nos quadrinhos, livros, televisão ou filmes. Tanto é que nos Estados Unidos o tema está voltando com força total. O spaghetti -western também está voltando, com um novo filme que o ator Italiano Franco Nero fará logo mais. Segundo, a minha proposta é uma minissérie, ou seja, serão somente 16 episódios fechados, porém em continuidade; o leitor poderá comprar um número avulso ou poderá completar a coleção. Terceiro motivo, ela é uma proposta, em sua diagramação no “estilo” Europeu, sem os famosos "6 quadros" fixos, porém como em Gringo - O Escolhido, o Artista terá toda a sua liberdade criativa para ser exposta em cada página, ou seja, como em álbuns Europeus. O perfil de publicação Europeia que você menciona acho que termina justamente aí, ou seja, na diagramação das páginas, simplesmente. Pois o meu texto western será baseado no personagem central; ou seja em Gringo e seus problemas pessoais ou psicológicos, que a Guerra de Secessão causou. As propostas de Tex, Mágico Vento e o já  mencionado Ken Parker são completamente diferentes da minha; a visão dos personagens e as suas respectivas histórias são outras. Lembre-se que o Gringo não é um herói, é simplesmente um sobrevivente da Guerra, por isso eu o apresentei como O Escolhido: por que ele foi poupado? Porque ele sobreviveu? Obviamente um homem que passou por tantas "experiências desumanas" como o personagem, terá uma história pessoal diferenciada, única e daí retratada. Em meus textos, o cowboy será um coadjuvante, não o personagem central. As paisagens na série serão bem definidas e envolventes. Ou seja, a minha proposta é apresentar o Velho Oeste como ele foi na realidade, ao estilo Europeu. E finalmente é uma proposta a mais para o leitor, num país desfalcado de bons quadrinhos (o Brasil). E, Marcelo, não posso falar ou mencionar os demais personagens, suas vendagens, suas aceitações, pois não estou envolvido com isso, não estou sabendo nada a respeito. Somente sei que o leitor brasileiro, felizmente, entendeu a minha proposta e Gringo - O Escolhido (que eu chamo de número 0, a apresentação do personagem), foi bem recebido e sua venda vai muito bem, obrigado. Novidades virão por aí, acredite, e estou trabalhando muito, para isso.



Como você vê o mercado de quadrinhos hoje no Brasil? Há muitas editoras, grande concorrência e muita coisa boa - e ruim - nas bancas. Para onde os quadrinhos vão?



Bem, sob a minha visão, o mercado dos quadrinhos continua igual a quando cheguei aqui em 1980. Não mudou em nada, principalmente para os artistas nacionais. Concordo com você, existem muitas editoras, grande concorrência e muita coisa boa - e ruim - nas bancas, mas notou a porcentagem de publicações verdadeiramente brasileiras (boas ou ruins), ou seja, idealizadas, escritas e ilustradas por artistas nacionais, não importando o tema, que estão nas bancas? Elas quase não existem. Essa moeda cara possui dois lados. Por um lado, é ótimo, pois os leitores possuem uma variedade muito grande de temas e personagens. Do outro, é péssimo para o nosso artista, pois o mercado de trabalho continua ainda muito raro e, pior ainda, temos ótimos talentos e para serem publicadas suas obras o gargalo das editoras (as poucas que acreditam neles) estreita-se cada vez mais, por causa dessa escolha. Daí essa "corrida" aos quadrinhos americanos, os com mais talento continuam e continuarão cada vez mais produzindo para os Estados Unidos ou Europa. Os quadrinhos, penso eu, talvez tomem outras formas (web), mas acredito que a publicação em papel ainda continuará por muito e muito tempo, pois tocar uma publicação de HQ é insuperável, como o livro: serão ambos insubstituíveis (assim espero).




Em tempo:


Entrevista realizada por Marcelo Tomazi e editorada por Alex Doeppre.