segunda-feira, 19 de maio de 2014

ENTREVISTA - INTERVISTA - VIEIRA E MACEDO - BY CASTRO





 [HQ BRAZUCA] Entrevista com Wilson Vieira e Fred Macedo

Olá amigos insones.

É com grande prazer que inauguramos nossa seção HQ Brazuca, um espaço totalmente voltado para as histórias em quadrinhos nacionais.

E para começar com o pé direito e cheio de gás, trazemos uma SUPER entrevista com dois grandes quadrinistas nacionais, Wilson Vieira e Fred Macedo, que além de trazer grandes histórias para os leitores, ainda encaram de maneira muito legal o mercado italiano das hqs.

Então … vamos as perguntas:

::: ATENÇÃO … ENTREVISTA LONGA :::


Blog Insônia: Vamos começar com uma pergunta um pouco diferente. Por que os quadrinhos? De onde surgiu essa paixão?

Wilson Vieira: Quadrinhos, Imagens…bem isso vem de bem longe para mim, lembro-me que lia O Cavaleiro Negro, O Cavaleiro Fantasma…em realidade desde pequeno, sempre gostei de imagens.

Fred Macedo: Tiago, como toda paixão surge da alma. Desde garoto adoro desenhar. Desenho desde que aprendi a segurar algo que riscasse. Lembro de desenhos meus de 1976, quando só tinha 4 anos. Ainda menino, antes mesmo de saber ler, já pegava as histórias da Disney, aqueles maravilhosos Almanaques Disney e ficava ali num canto da casa absorto durante horas. Minha mãe falava que depois a chamava e contava toda a história. Sempre fui uma criança de muita imaginação. Eu realmente viajava com aquilo tudo. Eu e os quadrinhos sempre fomos bons companheiros. Nós nos bastávamos. Por que Quadrinhos? Porque para mim a relação com quadrinhos é anímica.

 BI: Agora sim a pergunta que geralmente começa uma entrevista. Como e quando você começou a trabalhar com quadrinhos ?? Fale um pouco da sua carreira e das suas principais criações ou principais trabalhos.

WV: Comecei a gostar de Hqs, vendo o meu pai desenhando daquele modo antigo em quadricular a imagem, ampliando-a. Tomei gosto daquilo, estudei no bairro onde nasci lá no Ipiranga. Mas minha carreira eu fiz lá na Itália, anos depois. Bem, fui para lá para estudar e acabei ingressando no Studio Staff di If em Gênova como aprendiz de desenhista e gradativamente tornei-me um desenhista profissional. Na Itália fui o primeiro desenhista brasileiro a trabalhar para os personagens Diabolik, O Homem-Aranha, Tarzan e tantos outros, sou também um ex-desenhista Bonelliano por ter desenhando alguns episódios para a série Il Piccolo Ranger (O Pequeno Ranger). Aqui no Brasil, sou o autor de duas séries como roteirista: Cangaceiros – Homens de Couro # 1, álbum publicado em 2004 pela Editora CLUQ (Clube dos Quadrinhos) com desenhos de Eugenio Colonnese e Gringo – O Escolhido, álbum único publicado em 2006 pela Editora Nomad com desenhos de Aloísio Castro. Atualmente escrevo histórias que são publicadas on-line, para o site Italiano Progetto Fumetto, sempre com desenhos de Fred Macedo.

FM: Rapaz, essa é uma história curiosa. Para você entender vou ter que fazer uma digressãozinha. Durante muito tempo fiz minhas histórias e mostrava para os amigos que também curtiam quadrinhos. Os caras gostavam tanto dos meus desenhos que trocavam revistas comerciais pelas minhas histórias ou ilustrações. Mas pelas necessidades da lida diária e a difícil realidade de quem pretende viver de quadrinhos acabei por me afastar deles por mais de 15 anos. Pode parecer estranho vindo de alguém que disse ter uma relação anímica com quadrinhos, mas aconteceu. Coloquei os quadrinhos lá no fundo do meu inconsciente e tentei me concentrar na “vida real”. Fiquei por muito tempo só rascunhando aqui e ali, sem nenhuma pretensão e sem manter mais contato com ninguém desse meio. Até que um dia, em janeiro ou fevereiro de 2005, um amigo aqui de Fortaleza, o Geraldo Borges, que sabia da minha paixão, me ligou dizendo que haveria uma série de palestras no Centro Cultural Dragão do Mar, O Panorama Nona Arte. Fui sem muitas pretensões e levei uns desenhos meus. Chegando lá, à medida que assistia as palestras, a paixão adormecida foi retornando. E me lembrei do quanto eu gostava daquilo tudo. Revi velhos amigos e conheci um pessoal bacana da Oficina de Quadrinhos da UniversidadeFederal do Ceará. Entrei para o grupo e seis meses depois lá estava eu dando aula de desenho. Foi um período de aprendizado para mim. Comecei a ver quadrinhos dentro de uma ótica mais crítica e profissional. Lá estava eu com 33 anos com uma rapaziada que nem havia nascido quando eu chorava a derrota do Brasil na Copa de 82. Mas aprendi muito com o grupo. Aí passei a ler mais, estudar ainda mais desenho, anatomia, roteiro e tudo o que pudesse agregar valor à minha arte. Em seis meses publiquei minha primeira história na revista PIUM da Oficina de HQ da UFC, que teve uma tiragem de 1000 exemplares. Era material de primeira, papel couché, capa colorida e tal. Fiz o desenho de capa, as caricaturas do perfil e a primeira história. Depois recebi um convite do Daniel Brandão, artista conceituado e bom amigo, para publicar em duas edições do seu fanzine, o Manicomics, que se não me falha a memória já ganhou dois troféus HQ Mix. Nesse mesmo período desenhei para o Projeto Contando a Cidade do Jornal O Povo, em parceria com a Oficina de Quadrinhos da UFC. Em seguida fiz a arte final e capa de uma HQ para a Prefeitura de Fortaleza, uma espécie de manual para alunos do Ensino Médio sobre grêmios estudantis. Um dia estava no Estúdio do Daniel Brandão e ele ou o Geraldo sugeriu que eu montasse um fotolog com os meus desenhos. Segui o conselho deles e meus horizontes se expandiram ainda mais. Foi no fotolog que conheci o Wilson. Ele viu uns desenhos meus de western que chamaram a atenção dele. Aí ele me escreveu e falou dos projetos que tinha, dos trabalhos que havia feito e nossa empatia foi imediata. O Wilson me passou um primeiro roteiro de Western-Terror, “a la” Mágico Vento, num estilão bem Spaghetti Western, o Kwi-Uktena. Ele foi publicado no site Progetto Fumetto tanto em português como italiano, língua que o Wilson é muito fluente (é ele quem traduz tudo). Em seguida veio a Ficção Científica Evolution, com todos os ingredientes que uma boa história do gênero requer. Foi um presentão do Wilson. Sou fã de 2001 uma Odisséia no Espaço e da versão de 1968 do Planeta dos Macacos, com o Chalton Heston, então para mim foi uma aventura fantástica. Tudo isso me aconteceu em menos de dois anos, após mais de quinze anos de animação suspensa. E isso não é ficção.

BI: Quais são os artistas, sejam roteiristas, desenhistas ou ilustradores que inspiraram vocês ou inspiram até hoje ?? Podemos dizer, seus ídolos ??

WV: Bem, citarei somente alguns. Desenhistas/Ilustradores: Joe Kubert (pai), Frank Frazetta, Gino D’Antonio, Sergio Toppi e Victor De La Fuente, Carlo Boscarato. Roteiristas: Alfredo Saio e Andreina Repetto (ambos já falecidos, eram imbátiveis em criatividade e rapidez na feitura de roteiros), Franco Fossati, Max Bunker, Claudio Nizzi. Talvez, não ídolos e sim exemplos da ótima Nona Arte, a serem seguidos. Os que mais me influenciaram.

FM: Sou e sempre fui super fã de Westerns. Não perdia uma Sessão Western aos sábados. E comprava todas as histórias que podia do Zorro (Lone Ranger) e Tonto. Lembro que chegaram às minhas mãos umas aventuras do Tonto desenhadas pelo Alberto Giolitti. Eu ficava simplesmente fascinado! O cara desenhava demais. Era igualzinho ao que via nos filmes da Sessão Western. Os coldres, roupas, cavalos, cenários, composição de época e tudo o mais. Ele era um artista muito fiel às referências e me apaixonei por sua arte. Ao desenhar o título Sargento Preston o cara chegou a ir morar no Canadá para aprender a desenhar melhor os trenós puxados por cães. Depois conheci os trabalhos do Alex Raymond com o Rip Kirby (Nick Holmes aqui no Brasil). Outro monstro das HQs! Igualmente cuidadoso com suas referências e de traço limpo e impecável. Fui muito influenciado pelo Alex Raymond, particularmente pelos desenhos desse personagem. Depois conheci os trabalhos do José Luís Garcia Lopez com o Jonah Hex, um dos meus personagens favoritos nos quadrinhos. Assim como o Ken Parker o Hex é acima de tudo humano. Esse aspecto de um personagem tão mundano nas mãos de uma artista como o Garcia Lopez me atraíram de imediato para ambos. Outro artista que me influenciou bastante foi o Paul Gulacy. Eu era fã do Bruce Lee. Quando vi o Shang Chi desenhado como o Lee nas histórias do Moench/Gulacy eu pensei: “eu tenho que aprender a desenhar assim”. Ainda estou tentando. Outra coisa que gostava nos trabalhos do Gulacy é que ele sempre usava rostos famosos no personagens. Além do Bruce Lee, lembro que ele usou o Marlon Brandon para o James Larner e a Marlene Dietrich para a namorada do Gato (um inimigo do Mestre do Kung Fu, coisa das antigas). Achei isso fantástico e me alertou para o uso de refências. Gostava muito também das histórias do Conan desenhas pelas mãos do John Buscema. Mas quem realmente me chamava a atenção era a arte final do Alfredo Alcala. A história “A Sombra no Palácio da Morte” arte-finalizada pelo Alcala em cima dos desenhos do Buscema é o que se pode chama de Obra-Prima. Fiquei oras estudando cada traço e tentando reproduzir. O cara era um mestre em hachuras. Foi daí que veio minha paixão pelas hachuras. Aquilo foi uma viagem. Até hoje tenho essa revista comigo. Sou também super fã dos mestres italianos Giorgio Cavazzano e Giovanni Ticci. Este último, em minha modesta opinião foi o melhor desenhista do Ranger do Texas, o Tex Willer. Tempos depois vim a descobrir que ele trabalhou no estúdio do Giolitti. Daí porque no início de sua carreira o Ticci tinha um traço tão parecido com o Giolitti. Quem quiser conferir basta ler a história Flechas Pretas Assassinas com o Tex. O que gostava e ainda gosto do Ticci é o dinamismo que ele dá aos personagens. Um mestre do chiaoroscuro. Nesse aspecto (dinamismo do traço) acho que o Cavazzano anda emparelhado com o mestre Ticci.

BI: Fale um pouco sobre a Itália. Como é o mercado de quadrinhos e os leitores italianos ??

WV: Lá sim a HQ já faz parte da cultura do povo a muito, muito tempo. Passa através das gerações, com milhões e milhões de títulos vendidos e olhe, tem para todos os gostos, acredite. O mercado italiano de quadrinhos ainda é uma utopia para nós brasileiros, infelizmente.

FM: Confesso que conheço pouco do mercado italiano, mas o quadrinho lá é muito valorizado e respeitado, como na Europa em geral. Sei que as cifras são bem significativas, entretanto desconheço os valores reais. Essa mentalidade mostra o quanto eles avançaram em termos de reconhecimento das HQs como entretenimento, arte e informação. Se não me falha a memória e me perdoem aqueles com mais apuro de datas e informações históricas, em 1998 foi lançado pelos correios italianos um selo postal em homenagem aos 50 anos de criação do Tex Willer, o Guarda Rural mais famoso do Texas e personagem italiano de quadrinhos mais antigo ainda “na ativa”. Li na internet que a tiragem do Tex na Itália é algo que fantástico, cerca de 500.000 exemplares fora as reedições (a série Civil War da Marvel Comics atingiu uma tiragem recorde em Maio de 2006 de 260.000, isso lá nos E.U.A.). Em 30 de setembro desse ano o Tex fará 60 anos! Imagine o que não vem por aí. Isso demonstra o respeito que eles têm pelo seu legado cultural. Os quadrinhos também fazem parte da identidade cultural de um povo na medida em que refletem muito da realidade de sua época, não só pelas temáticas tratadas mas também pelo uso de um linguajar inerente àquela época.

BI: Wilson, em uma outra entrevista na internet, você falou que o grande mercado de quadrinhos na Itália é Milão, mas você foi e fez sua carreira em Gênova, porque ?? Algum motivo ou carinho especial por essa cidade ??

WV: Bem porque fui estudar (acabei indo para Florença depois) e fixei residência por lá, até voltar novamente ao Brasil em dezembro de 1980. Comecei a trabalhar num dos principais Estúdios de HQs de lá o Studio Staff di IF, essa cidade é muito importante sim para mim, ela me acolheu de braços abertos, me formou profissionalmente, fiz e deixei lá ótimos amigos, com os quais me comunico até hoje. E não esqueçamos que a Itália é um País pequeno se comparado ao nosso, portanto a distância é curta de uma cidade a outra.

BI: Fred, quando você recebe um roteiro, por exemplo do Wilson, qual sua técnica para começar a desenhar ?? Algum ritual antes dos desenhos ou não, simplesmente sai desenhando e quando vê o trabalho já está pronto ?? (pergunto isso pois já ouvi esse comentário de vários artistas).

FM: Bom, se você quiser que o trabalho saia legal é bom planejar. Em linhas gerais faço o seguinte, primeiro leio todo o roteiro para entender a história. Acho isso muito importante para não cometer incoerências no decorrer do trabalho. Anoto e sublinho pontos importantes como: nomes de personagens e suas características, tanto particularidades físicas como pessoais, cenário e tudo o mais que possa me ajudar na composição visual da história. Todo quadrinista tem que ter em mente que ele é meio que um misto de diretor de cinema, ator, cenógrafo, figurinista e continuista. Ele tem que ter todas esse visões para não fazer um trabalho com defeitos de continuidade, enquadramentos monótonos, figurino incompatível com a época retratada e coisas do gênero. Depois passo a trabalhar na concepção visual dos personagens, desenhando em vários ângulos e poses para me familiarizar como ele. Faço esboços gerais do cenários e busco referências que me inspirem. Se não tiver mais nenhuma dúvida quanto ao roteiro começo a fazer os lay-outs de página. Sempre faço estudos prévios de cada quadro para ver qual a melhor narrativa visual. Não detalho muito, é só para ver o que funciona ou não. Depois que tenho certeza do que quero passo para o A3. Uso o lápis azul, pois facilita na hora de tirar as marcações depois que passo o nanquim. Em linhas gerais é isso.

BI: Wilson, você começou como desenhista, hoje é um excelente roteirista, qual a principal diferença, falando em volume de trabalho ou dificuldade, entre os dois tipos de profissionais ??

 WV: Caro Tiago, não noto qualquer dificuldade não. Ao contrário, essa “transformação” deu-se naturalmente e somente me ajudou; pois visualizo o que devo escrever e isso facilita o que quero exprimir com palavras, ao Fred.



BI: Como desenhista, você tem feito trabalhos para Dylan Dog e Diabolik, fale um pouco sobre eles.

WV: Bem para o personagem Dylan Dog eu fiz uma ilustração (2006) para o site DYLANDOGofili que foi transformada em pôster em comemoração dos 20 anos de publicação do personagem na Itália, na cidade de Novi Ligure e para o site Diabolik Club eu fiz uma ilustração (2007) para a publicação deles, em agradecimento a uma entrevista feita anteriormente. Aliás quando estava na Itália publiquei, como desenhista dois episódios deste misterioso e popular personagem.

BI: No site do progetto fumetto vocês publicaram as Hqs “Evolution” e “Kwi-Uktena”, fale-nos um pouco sobre esses trabalhos. Qual a importância deles pra vocês?

WV: Primeiramente uma de minhas grandes alegrias nessa profissão, foi ter encontrado o Fred, excelente Artista Nacional e nos damos muito bem ao criarmos nossas histórias. Ele capta com incrível rapidez o que quero expressar em textos. E começamos a produzir uma série de histórias curtas para o site Italiano Progetto Fumetto e estamos nos divertindo muito, pois são histórias aprovadas, dos mais variados temas e os leitores terão muitas surpresas ainda. São trabalhos que nos forçam a ter uma qualidade tanto em texto como em desenho muito boa e isso está sendo uma fonte inesgotável de exercícios, para nós.

FM: Vou começar pela última pergunta. Essas duas histórias foram dois presentes do Wilson. Elas têm grande importância para mim. Os primeiros trabalhos que fiz parece que estavam me preparando para encarar esse desafio. O Wilson é um artista e profissional reconhecido internacionalmente, com trabalhos até hoje elogiados e ainda comentados. Desenhar para (e com) ele está sendo uma experiência muito enriquecedora. A partir dessas duas histórias ampliei ainda mais minha visão a cerca das HQs em vários aspectos. O Wilson é extremamente profissional e exigente com o trabalho dele. Acho que por isso nos identificamos tanto, pois também sou cuidadoso com o que faço. Tem sido uma troca de experiências. Digo isso porque, muito embora o Wilson tenha uma grande bagagem profissional ele é muito aberto a sugestões e dá muita liberdade de criação. Mas fazer HQs é isso, tem que ter parceria, paciência, respeito e profissionalismo. A história Kwi-Uktena foi o primeiro roteiro do Wilson que desenhei. Logo após nossos primeiros contatos ele já me mandou o roteiro. Ele é uma máquina para escrever. Muito profícuo, sem dúvida. Não sei de onde vem tanta coisa. Gostei da história de cara. Adoro western. Na verdade foi o que nos juntou. Gosto muito do Mágico Vento e a história tem muito desse clima, Western-Terror-Mistério. Sempre conversamos muito sobre os roteiros e trocamos muitas imagens e informações para a construção de cada personagem, cenários e tal. Mandava os layouts para ele e quando fechávamos desenhava no A3 e passava o nanquim. A coisa fluiu muito naturalmente. A HQ Evolution veio em seguida com um roteiro bem redondinho. Em função do tempo não deu para passar os layouts, mas como estávamos mais afinados, dos layouts fui trabalhando direto nas páginas. Só trocávamos uma idéia por e-mail quando tínhamos que fazer algum ajuste. Como disse sou fã de 2001 do Kubrick e do Planeta dos Macacos, logo nem preciso dizer quais foram minhas referências. Também peguei algo de Alien do Ridley Scott. Foram filmes que ficaram no meu imaginário como parâmetro de referências.

BI: Por falar em internet, como é publicar na internet ?? Quais as vantagens e desvantagens dessa mídia??

WV: Eu acho ótimo. Estabelecemos prazos, eu e o Fred, juntamente com o site Progetto Fumetto e trabalhamos dentro desse cronograma. Não vejo desvantagem nessa mídia, pois ela acaba sendo uma ótima vitrine mundial para o nosso trabalho e temos total liberdade criativa nas histórias que produzimos.

FM: O bom da internet é que é uma mídia de maior alcance, onde seus trabalhos são mais facilmente localizáveis, sendo portanto uma grande vitrine. Por conta disso já fiz muitos bons contatos. Você não vai ter muitos dos obstáculos e limitações que a revista impressa, por sua própria estrutura física acaba por impor. A HQ digital tem uma distribuição mais rápida. Além de ser mais acessível ao público permite a posse de um número grande de obras sem ocupar muito espaço. Na net existem alguns incômodos. A taxa de leitura é mais baixa, você cansa mais a vista, entre outras coisas. Eu particularmente não gosto de “ler” HQ e outros textos longos no computador. Prefiro imprimir. Acredito que nada substitua, em termos de conforto, o bom e velho papel. O material impresso mantém uma relação de mais intimidade, enlevo e deleite. O cheiro e textura do papel impresso dão um tom mais subjetivo, diferente da frieza inodora de um monitor. Acho que esse é o ponto. O computador é muito impessoal comparado à revista impressa. 

BI: Você pensa, ou já imaginou suas histórias em outras mídias? Como por exemplo o cinema? Ou ainda um game, assim como fez recentemente Márcio Baraldi com seu personagem Roko-Loko? 

WV: Claro e porque não…a diversificação é altamente positiva e a Nona Arte é muito eficaz com isso. Aceitamos propostas..rs..rs…

BI: O que você acha do mercado brasileiro de quadrinhos ??

WV: Ainda é muito restrito. E não é por falta de excelentes profissionais não. É que não encaramos aqui no Brasil o Quadrinho como se deve; uma Arte séria, pensamos que seja ainda para crianças, o que é lastimável. Contudo acredito ainda nele, pois é promissor, bastará insistirmos. Quando a HQ passar a fazer parte da Cultura Nacional, tudo se normalizará. Eu tento fazer o máximo que posso, escrevendo sem parar e aprendendo a cada dia.

FM: O mercado brasileiro é bem diferente do Europeu e do Americano. Confesso que não sei bem se temos um mercado de quadrinhos. Lá fora você é pago por página. Geralmente recebe um adiantamento e o resto quando conclui. Faz, recebe. Aqui, com raras exceções, você desenha, a revista é publicada, quando e se vender, você recebe um percentual das vendas. De forma geral, não temos títulos que sustentem um mercado aos moldes daqueles que vemos em outros países.

BI: Existe alguma comparação entre o mercado nacional e o mercado italiano ?? Principais diferenças talvez ??

WV: Infelizmente não, seria impossível fazer qualquer tipo de comparação. O interessado deveria ir lá e verificar com os próprios olhos, não se pode explicar essa complexidade com palavras. Acho que a maior diferença seja o “não acreditar” no potencial do Artista Brasileiro e sua Arte.

FM: Por certo é mais fácil apontar diferenças que semelhanças. À exceção da produção independe que vemos, diga-se de passagem cada vez maior, graças a editores independentes mais arrojados e de uns poucos títulos nacionais (Turma da Mônica, por exemplo), creio que a maioria do material que se publica aqui, comercialmente, é coisa de fora. Já o mercado italiano é bem mais rico, com títulos próprios. Só na Bonelli Editore posso citar o Tex, Zagor, Nick Rider, Nathan Never, Mágico Vento, Mister No, Júlia Kendall, etc, todos personagens do universo bonelliano, com desenhistas muito bem pagos, que se dedicam exclusivamente à sua arte.

BI: Recentemente a revista americana Wizard elegeu o quadrinista brasileiro Ivan Reis como o melhor desenhista de 2007 (nota publicada aqui no blog também), o que você acha que isso muda para o Brasil, em se tratando de quadrinhos e do nosso mercado ?? E com os profissionais, muda alguma coisa, do tipo inspiração ou esperança de alcançarem um feito parecido ??

WV: O Ivan Reis é simplesmente sensacional! Penso que mudará para melhor, ainda mais a credibilidade seja do editor estrangeiro, como a do editor Brasileiro, em nosso próprio potencial criativo. Claro que o exemplo do Ivan inspirará certamente os autores nacionais a persistirem suas trajetórias, também em busca do reconhecimento mundial.

FM: O Brasil sempre teve grandes artistas, talvez o que faltava fosse uma maior abertura para eles. Creio que com a expansão do mercado internacional de quadrinhos a demanda por artistas de fora acabou sendo uma conseqüência. Daí para que alguém despontasse seria uma questão de tempo. Como artista é gratificante você ver um brasileiro se sobressaindo num mercado tão competitivo e com talentos cada vez mais afinados. Às vezes um artista tem que fazer um circuito inverso para que se sobressaia aqui. Não é raro você ver pessoas fazendo sucesso primeiro no exterior que para só então ter o devido reconhecimento aqui. Nesse aspecto esse não é um problema só nosso. O que não serve de consolo. O que vejo de positivo é que percebemos que a prata da casa brilha tanto quanto a de fora. Basta dar o devido olimento. Para o mercado brasileiro, pelo menos a curto prazo, não vejo no que possa mudar mas, por certo, o trabalho que o Ivan Reis está realizando lá fora vai influenciar novos talentos a batalharem e se esmerarem no intuito de alcançarem também o mesmo reconhecimento. Espero que a melhoria do nosso mercado venha com essa geração.

BI: Wilson, soube que você já desenhou para Marvel enquanto estava na Itália, como foi essa experiência ?? Você conheceu Stan Lee pessoalmente??

WV: Sim, desenhei um álbum do “Amigo da Vizinhança”. Como disse anteriormente sou o primeiro Desenhista Nacional a desenhar o “Cabeça de Teia” lá na Itália. Foi uma experiência muito instigante. Certo dia recebi no Estúdio Staff di If, um roteiro das mãos, de um dos maiores estudiosos do quadrinho italiano (já falecido) Franco Fossati, com o título: “Octopus sfida L’Uomo Ragno” (Octopus desafia o Homem-Aranha) e pediu-me para fazer todas as ilustrações, inclusive a capa; claro fiz com muita alegria. Não o Stan Lee não o conheci pessoalmente, porém foi ele quem aprovou meus desenhos para esse álbum, lá dos EUA. Uma curiosidade; ele foi escrito e desenhado na Itália, impresso na Espanha e lançado em toda a Europa. Possuo até hoje a xerox do lápis, nanquim e cores da capa que guardo com carinho, juntamente com o álbum original. Hoje essa publicação tornou-se “cult” lá na Itália, sendo ainda encontrada em certos leilões de Hqs por lá.

BI: Vocês já tem outros projetos em mente, ou já em andamento ?? E o futuro, algo especial para os próximos anos ??

WV: Vários e alguns sim já em andamento, sempre com o amigo e grande artista nacional Fred Macedo. Novidades virão, com certeza. Quanto ao futuro espero publicar, com desenhos do Fred (já estamos trabalhando a tempo nesse projeto especial) a série GRINGO completa, ou seja 16 álbuns – episódios fechados com 132 páginas cada um, os quais estou terminando de escrever. Será um marco da Nona Arte Brasileira, aguardem!! Esse é em particular, o projeto da minha vida profissional, como autor de quadrinhos. 

FM: Estou trabalhando em uma nova história do Wilson e num projeto para um pessoal amigo dele da Itália. Já demos uma prévia da história no meu fotolog e no blog dele. Mais um western bem condimentado. Planos nós temos muitos, o que tentamos é equacioná-los no nosso tempo exíguo. O Wilson tem muito material escrito. Como já disse o homem é uma máquina para trabalhar. Tenho até medo que saia fumaça daquele PC dele. Se é que já não saiu. Temos vários roteiros curtos, outros não tão curtos, mas tudo material bom, de nível, feito com carinho e respeito à Nona Arte e aos seus apreciadores (nos incluímos nesse meio). São temas variados e cheios de personalidade, acredite. Fora isso, o de sempre, tenho estudado para afinar ainda mais o meu traço e ajudar a desenvolver um trabalho cada vez mais sério. O que vier será conseqüência do trabalho que for desenvolvido.

BI: Quais as dicas e conselhos que vocês dariam para quem está iniciando nessa área?

WV: Persistência, paixão pelo que faz e não desistir nunca desse sonho fantástico, o qual é a HQ.

FM: É importante que o quadrinista encare sempre o seu trabalho com extremo profissionalismo. Não me refiro só ao refinamento ou qualidade do desenho, mas acima de tudo desenvolver um trabalho com comprometimento. Se você não tem comprometimento com o que faz vai se queimar. E notícia ruim corre rapidinho. De resto é estudar, praticar sempre, procurar estar antenado com as tendências, sem comprometer a personalidade do seu estilo. Uma preocupação que sempre tive foi a de buscar a identidade do meu trabalho. Já disse anteriormente das minhas influências e inspirações. É normal para quem começa ficar imitando fulano ou sicrano mas, com o tempo, ou você imprime personalidade na sua arte ou você vai embora com a onda. Vejo uma mesmice no trabalho de muita gente. E o pior é que o tempo passa e o sujeito não evolui, fica naquilo. Isso não é bom. É uma bomba relógio na carreira de qualquer artista.

BI: Obrigado pela atenção e pela oportunidade de nos conceder essa entrevista, falando um pouco do seu trabalho e dessa paixão que todos temos em comum, os quadrinhos. Muito obrigado mesmo e se quiserem deixar uma mensagem final aos nossos leitores, fiquem a vontade. Novamente reforço que o Blog Insônia está com as portas abertas para vocês e para os seus trabalhos.

WV: Eu é que agradeço a você amigo Tiago e ao seu espaço Blog Insônia, por esse ótimo bate-papo e coloco-me a sua inteira disposição sempre que assim o quiser. E finalmente dizer que pessoas como você é que ajudam a criar uma credibilidade consistente em nossa fantástica e criativa HQB. Abração, Wilson.

FM: Tiago, falei aqui que vejo nos editores independes um arrojo que ajuda a mover as HQs no Brasil. Eu cometeria um pecado enorme se não estendesse esse comentário a espaços como o Blog Insônia. Eles em muito ajudam na disseminação do que se passa na Terra Brasilis das HQs e acaba se tornando também uma vitrine de artistas. Quando retornei aos quadrinhos continuei a ver certas dificuldades que antes já existiam, mas vislumbrei uma abertura maior para os novos talentos. Por certo o Ivan Reis é um desses talentos que passou por essa fresta. A Grande Rede por certo contribuiu para isso. A informação é a mercadoria mais importante que o mundo teve e que continuará tendo. E quando essa informação flui praticamente em tempo real as coisas acontecem igualmente mais rápido, a despeito dos prós e contras. Embora toda mudança seja desconfortável e necessite de tempo para ajustes vislumbro coisas positivas. O acesso do artista às grandes agências e uma real possibilidade de trabalho está menos restrita. Obviamente que o sujeito terá que mostrar a que veio, mas ainda assim a coisa está mais prática e democrática. Acho que avançamos muito. Aproveito para externar mais uma vez toda satisfação por trabalhar com um profissional do quilate do Wilson Vieira (perdoe-me a formalidade do sobrenome, Wilson). Ele tem me brindado com sua generosidade e sincera amizade. Agradeço também a você Tiago por sua atenção, gentileza e por abrir este espaço onde eu possa falar um pouco de mim e do meu trabalho.Forte abraço e muito sucesso! Fred.

  
Bem amigos, esse foi o extenso bate-papo entre os artistas Wilson Vieira, Fred Macedo e eu, esse editor que vos escreve. Novamente muito obrigado aos dois novos amigos. Sucesso a vocês !!!

Abraços
Tiago Castro - Blog Universo Insônia